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Mostrando postagens de agosto, 2010

Olhos Nos Olhos - Chico Buarque

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Quando você me deixou, meu bem Me disse pra ser feliz e passar bem Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci Mas depois, como era de costume, obedeci Quando você me quiser rever Já vai me encontrar refeita, pode crer Olhos nos olhos Quero ver o que você faz Ao sentir que sem você eu passo bem demais E que venho até remoçando Me pego cantando, sem mais, nem por quê Tantas águas rolaram Quantos homens me amaram Bem mais e melhor que você Quando talvez precisar de mim Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim Olhos nos olhos Quero ver o que você diz Quero ver como suporta me ver tão feliz

Para Viver Um Grande Amor - Vinicius de Moraes

Composição: Vinicius de Moraes / Toquinho Cantado Eu não ando só Só ando em boa companhia Com meu violão Minha canção e a poesia Falado Para viver um grande amor, preciso É muita concentração e muito siso Muita seriedade e pouco riso Para viver um grande amor Para viver um grande amor, mister É ser um homem de uma só mulher Pois ser de muitas - poxa! - é pra quem quer Nem tem nenhum valor Para viver um grande amor, primeiro É preciso sagrar-se cavalheiro E ser de sua dama por inteiro Seja lá como for Há de fazer do corpo uma morada Onde clausure-se a mulher amada E postar-se de fora com uma espada Para viver um grande amor Cantado Eu não ando só, Só ando em boa companhia Com meu violão Minha canção e a poesia Falado Para viver um grande amor direito Não basta apenas ser um bom sujeito É preciso também ter muito peito Peito de remador É sempre necessário ter em vista Um crédito de rosas no florista Muito mais, muito mais que na modista Para viver um grande amor Conta ponto saber fazer c

Desencanto - Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora De desalento... de desencanto... Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca, Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. Eu faço versos como quem morre.

Chapeuzinho Vermelho - Millôr Fernandes

Era uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio chamam-se alcunha ou vulgo). Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque, colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios. Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntesis para os nossos pequenos leitores — o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, - natural seria que, vo

Desgracida

O professor de Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e tradutor Caetano W. Galindo faz uma resenha, em formato de car­­ta, sobre Desgracida, o recém-lançado livro de Dalton Trevisan, sucessor de Violetas e Pavões (2009). Caro senhor Dalton Trevisan, Esse teu Desgracida é uma preciosidade. A primeira leitura, afogada, ansiosa, deu, mera, meia hora. Texto concentrado, esmirradinho e forte toda-vida, aquelas epifanias breves. Uma por página. Cada uma um coração de alcachofra. Mas foi primeira. Já voltei, lendo lento, e ainda hei. Que, ah!, merece... (Afinal, mesmo você soltando um por ano, dá pra sentir falta.) É um tipo de conforto e um grande deslumbre rever a cada novo o mesmo povo, a mesma voz, mesma “pegada”, mas sempre relida, apontada pra uns cantos novos, sussurando outros temas, bundas outras, mais velhinhos sujos, pivetinhos petulantes. É ver um grande bluesman, tirando mais música da estrutura estreita, fazendo o mesmo, incontornável, mas fazendo sempre como pela prim

Ser mãe

SER MÃE A missão de ser mãe quase sempre começa com alguns meses de muito enjôo, seguido por anseios incontroláveis por comidas estranhas, aumento de peso, dores na coluna, o aprimoramento da arte de arrumar travesseiros preenchendo espaços entre o volume da barriga e o resto da cama. Ser mãe é não esquecer a emoção do primeiro movimento do bebezinho dentro da barriga. O instante maravilhoso em que ele se materializou ante os seus olhos, a boquinha sugando o leite, com vontade, e o primeiro sorriso de reconhecimento. Ser mãe é ficar noites sem dormir, é sofrer com as cólicas do bebê e se angustiar com os choros inexplicáveis: será dor de ouvido, fralda molhada, fome, desejo de colo? É a inquietação com os resfriados, pânico com a ameaça de pneumonia, coração partido com a tristeza causada pela morte do bichinho de estimação do pequerrucho. Ser mãe é ajudar o filho a largar a chupeta e a mamadeira. É levá-lo para a escola e segurar suas mã

A via Crucis do Corpo - Clarice Lispector - Ruído de Passos

Tinha oitenta e um anos de idade. Chamava-se dona Cândida Raposo. Essa senhora tinha a vertigem de viver. A vertigem se acentuava quando ia passar dias numa fazenda: a altitude, o verde das arvores, a chuva, tudo isso a piorava. Quando ouvia Liszt se arrepiava toda. Fora linda na juventude. E tinha vertigem quando cheirava profundamente uma rosa. Pois foi quando dona Cândida Raposo que o desejo de prazer não passava. Teve enfim a grande coragem de ir a um ginecologista. E perguntou-lhe envergonhada, de cabeça baixa: - Quando é que passa? - Passa o quê, minha senhora? - A coisa. - Que coisa? - A coisa, repetiu. O desejo de prazer, disse enfim. - Minha senhora, lamento lhe dizer que não passa nunca. Olhou- o espantada. - Mas eu tenho oitenta e um anos de idade! - Não importa, minha senhora. É até morrer. - Mas isso é o inferno! - É a vida, senhora Raposo. A vida era isso, então? Essa falta de vergonha? - E o que é que eu faço? Ninguém me quer mais... O médico olhou-a com piedade. - Não h