Milton Hatoum, escritor amazonense

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Milton Hatoum, escritor amazonense é um dos maiores representantes da nova geraçao de escritores brasileiros. Filho de imigrantes libaneses, Milton Hatoum nasceu em Manaus (AM), em 1952. Na década de 1970, viveu em São Paulo, tendo cursado arquitetura na Universidade de São Paulo (USP). Em seguida, direcionou-se para os estudos literários. Nos anos 1980, depois de morar na Espanha, foi para a França e fez pós-graduação na Universidade de Paris III. 

De volta a Manaus, lecionou língua e literatura francesas na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Foi também professor-visitante da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos.

Milton Hatoun estreou na ficção com "Relato de um Certo Oriente", publicado em 1989 e vencedor do prêmio jabuti de melhor romance do ano. Seu segundo romance "Dois irmãos, em 2000, mereceu outro Jabuti e foi traduzido para oito idiomas. Com "Cinzas do Norte", em 2005 Hatoun ganhou os prêmios Jabuti, Bravo!, APCA e Portugal Telecom. Em 2008 publicou "Orfãos do Eldorado". A Cidade Ilhada, publicado em 2009, é sua primeira coletânea de contos. Atualmente é colunista do jornal O Estado de São Paulo e do Terra Magazine.


Leia trecho do conto "Uma Estrangeira em Nossa Rua", da obra  de Milton Hatoun, "A Cidade Ilhada":

"NO caminho do aeroporto para casa, eu observava os lugares da cidade agora irreconhecível. Quase toda a floresta em torno da área urbana havia degenerado em aglomerações de barracos ou edifícios horrorosos. Em casa, Tia Mira me recebeu com entusiasmo e contou uma ou outra novidade que para mim já não faziam sentido. Deixei a mala NO quarto e quase sem querer perguntei pelos Doherty.

Nunca mais voltara, disse Tia Mira. O pai ainda passou alguns meses aqui, vendeu o bangalô e foi embora. O comprador derrubou o muro, a casa, a acácia. Tudo. 
Para onde foram?

E quem pode saber? Aquela família vivia em outro mundo. 
Eu tinha acabado de chegar à cidade e notara com tristeza a ausência da casa azul na nossa rua. Era um bangalô bonito cercado por um muro de pedras vermelhas que uma trepadeira cobria; NO pátio dos fundos uma acácia solitária floria nos meses de chuva e sombreava o quarto das duas irmãs. Agora um monte de escombros enchia o terreno da rua em declive.

Na varanda de casa, ao olhar AS ruínas do bangalô me lembrei de Lyris, mais alta e também menos arredia que a irmã, cabelo quase ruivo, o rosto anguloso e os olhos verdes, um pouco puxados, embaralhavam traços do pai e da mãe. Só me dei conta dessa beleza estranha e misturada NO fim da infância, quando senti alguma coisa terrível e ansiosa parecida com a paixão.

Lyris devia ter uns dezoito anos e a irmã era quase da minha idade: quinze. Antonieta, nossa vizinha mais escandalosa AS apelidara de bichos do mato porque não iam às festas. Não pulavam carnaval, não se bronzeavam nos balneários, nem tinham namorados ou amigos. Andavam sempre juntas e sempre escoltadas pelo pai: o engenheiro Doherty. Diziam que ele era inglês ou irlandês e a verdadeira nacionalidade permaneceu um mistério. Eu pensava que Alba, a mãe fosse amazonense, pois suas feições indígenas eram familiares. Mas a manicure da Tia Mira contou que Alba era peruana, e só depois entendi que a língua e não a nacionalidade, nos define....."


Hatoun Milton,

      A Cidade Ilhada : Contos / Milton Hatoun - São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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