Mais um pouco sobre Dalton Trevisan e sua obra...
Dalton Trevisan- contos
Os desastres e os crimes da paixão
Os contos de Dalton Trevisan giram obsessivamente em torno de um assunto principal: os conflitos do amor. O crítico Mário da Silva Brito resumiu esplendidamente esta temática:
Trevisan é, na verdade, o contista das guerras, surdas ou veementes, contidas ou explosivas, recalcadas ou flagrantes entre homem e mulher.(...) Seus personagens masculinos e femininos são eternos inimigos, envoltos pelo tédio, desgastados pelo convívio, demolidos pela mútua decepção, adversários irados e agressivos a se ferirem incessantemente.
O próprio escritor definiu os seus relatos como uma “Ilíada conjugal”. Eles são povoados de maridos que invariavelmente maltratam, humilham e traem as suas esposas, que as devolvem aos pais quando, na noite conjugal, percebem (ou imaginam perceber) que elas já não são virgens. Que as acusam de impostoras frígidas ou de adúlteras pecaminosas, e por isso as espancam, as ferem e as matam.
Mais raramente aparecem outros tipos de homens: os generosos (“O defeito de João era ser bom demais – dava tudo o que ela pedia.”). Estes, por isso mesmo, são traídos, debochados e ofendidos pelas mulheres, que expõem no varal as cuecas de seda dos amantes e saem à rua em pleno dia para encontros adúlteros. E que, como vingança final, tentam matar os maridos, colocando vidro moído no caldo de feijão ou dissolvendo formicida na gasosa de framboesa.
A guerra entre homens e mulheres não é apresentada nem de um ângulo machista nem feminista. A crueldade e a mansidão alternam-se nos dois sexos. A mártir de ontem é a megera de hoje e assim por diante, numa ciranda amarga e infinita. Desta maneira, o amor romântico nunca é correspondido ou nunca termina bem. Aqueles indivíduos que se identificam com qualquer forma de afeto mais puro geralmente são destroçados pelos cônjuges cruéis.
Na eterna rotação amorosa, os seres parecem condenados ao tormento perpétuo. Por causa disso, a contínua violência física que infligem uns aos outros, reveste-se também de uma terrível naturalidade.
Com muita propriedade, uma das melhores obras de Dalton Trevisan chama-se A guerra conjugal. Igualmente, outros livros importantes possuem títulos sugestivos: Os desastres do amor, A faca no coração, Meu querido assassino, Essas malditas mulheres
O inferno é o sexo
No conjunto, os contos que compõem esses livros revelam uma descida ao inferno das paixões, especialmente as sexuais. A exemplo dos textos de Nelson Rodrigues, o sexo arrasta os indivíduos para a perversão e o crime. Na sua ânsia de satisfação da libido, os protagonistas passam por cima das convenções, dos valores familiares e da ética. Diante de nossos olhos, desfilam adolescentes tarados, velhos pedófilos, virgens loucas, doutores libidinosos que se aproveitam das clientes, esposas atormentadas pelo desejo insatisfeito, etc.
Vê-se claramente que é um universo anterior à grande revolução dos costumes das décadas de
1960 e 1970, que liberou por completo as manifestações da sexualidade. Um universo repressivo que, por exemplo, obriga certo “doutor” – em um dos contos de Cemitério de elefantes – a cobrir o rosto com o lenço, ao sair para rua depois de encontro com uma prostituta. É exatamente essa coerção da sensualidade que gera as diversas taras e a infindável obsessão erótica dos protagonistas. A Curitiba de Dalton Trevisan é povoada de seres compulsivos, conforme se pode observar em algumas frases recolhidas a esmo em seus contos:
“Exibia o grande calo no indicador – de tanto erguer saia de moça.”
“Tirou o seio do vestido como um peixe de dentro do rio.”
“Sou o último dos escravos e hei de morrer beijando a unha dourada do seu pezinho”
“Mais excitante do que despir-lhe o vestido era retirar-lhe os óculos.”
Por meio deste post venho ratificar o que no post anterior havia considerado.
ResponderExcluir